segunda-feira, setembro 11, 2006

De pés no chão

I – A dedicação

Era uma vez um menino que tinha um ser de estimação.
Dedicava toda a sua vida aquele ser. Todo o amor e carinho que tinha, era para aquele ser. Todo o sorriso que dava, todo o gesto que fazia, cada vez que respirava, fazia-o pela paixão que sentia por aquela criatura.


II – A perda

Porém, e como tudo na vida o ser amado morreu e o menino decidiu enterrá-lo.

No entanto, e como forma de apagar o seu sofrimento decidiu enterrá-lo bem fundo. Escavou um buraco com a profundidade das suas pernas, achou que era pouco e avançou um pouco mais… Seu sofrimento era tanto que mal se apercebeu do tempo que passara naquela dolorosa tarefa. Quando suas forças se acabaram, olhou para cima e nada via, apenas a escuridão. Estava tão fundo que nem a luz do sol, nem o luar conseguiam iluminar o fundo do buraco. Estava tão fundo, e tão sem forças, que por mais que tentasse não conseguia sair daquele buraco.

Decidiu adormecer e sonhar nos tempos em que tinha o ser para brincar.


III – A alegria

Um balão, com um cordel mágico, vagueava solitário nas alturas, sempre feliz por ver o azul celeste do céu e o vermelho encandeante do pôr-do-sol, viu algo que lhe chamou a atenção! Uma luz negra sobressaía do campo verdejante que sobrevoava.

Aproximou-se, espreitou e nada mais viu que a escuridão. Sem o balão saber porquê, o seu cordel atirou-se para o meio da escuridão. O balão, mesmo sendo dono do cordel bem tentou puxar pelo cordel, mas este crescia, crescia e parecia não ter fim. Decidiu voar para ver se a ponta do cordel voltava a aparecer na escuridão.


IV – A esperança

Meio adormecido no escuro, e quase sem esperança o menino sente algo a tocar-lhe no ombro, amarra, e sente que começou a ser puxado… deixa-se levar e começa a sentir novamente forças para viver. A esperança de ver novamente o sol, a lua e de sentir a brisa fresca do mar, fazem com que ele esqueça o ser amado…

Chegado á superfície sente-se estranho, tão estranho que nem repara que esse sentimento de confusão advém do facto de se estar a rir (algo que já não sentia há muito tempo). Uma confusão que lhe fazia sentir-se bem, e assim aos poucos respirou, chorou de alegria e voltou a rir…


V – A indiferença

Depois da alegria, seguiu a corda com os olhos e viu que um lindo balão segurava a outra ponta da corda. Trepou, chegou perto do balão e falou com ele, o balão, olhou, sorriu distante e nem lhe respondeu… Voltou a insistir e o balão voltou a não responder, desta vez nem sequer olhou…

O balão continuava a saborear o luz do sol, e o bater do vento nos sua face. E o menino?! Esse, começou a sentir o sorriso fugir… e viu que estava já demasiado alto para largar a corda…


VI – A conclusão

Por vezes estamos tanto tempo na escuridão, e temos tanta vontade de sair dela, que a primeira oportunidade que nos é dada, apertamos a mesma com as duas mão, e não nos apercebemos que a dado momento devemos largá-la e sentir-nos livres sozinhos novamente, e aproveitar bem o facto de ter o pés bem assentes no chão…



Já agora, o que é que vocês escolhiam? Saltar? voltar para o bruraco? ou disfrutar mais um pouco da vista?



xpto

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro X.P.T.O.
O título do teu “conto”, perdoa-me a ousadia de o ter classificado, dá-te a resposta… Salta e fica com os pés no chão. Isto porque, os balões, principalmente os que têm função de oxigenar (prometo que um dia explico-te esta teoria) só valem enquanto cumprirem a sua função, ou seja, oxigenação. Assim, quando o balão perde todo o seu oxigénio, ou este elemento perde as propriedades, não faz sentido o menino continuar agarrado a um balão que já não o faz feliz. Ficar no buraco também não é solução para o menino da tua história. Os buracos, além de escuros, podem ser perigosos, principalmente quando já não conseguimos ver a “luz do sol, nem do luar”. Se o menino ficar muito tempo no buraco, corre o risco de, quando finalmente conseguir trepar cá para fora, já nem se lembrar de “como é brincar”. Apelando um bocadinho à minha infância, os buracos só servem para esconder os meninos, mas por pouco tempo… são escuros, frios, medonhos e tristes (embora possam ser confortáveis, em certas ocasiões)…
Um dos elementos das tragédias gregas é a “Catarse”., i.e., “é a purificação das almas através da descarga emocional provocada pelo drama, um conceito teorizado por Aristóteles. Segundo o filósofo, para suscitar a catarse era preciso que o herói passasse da dita para a desdita, ou seja, da felicidade para a infelicidade. E mais ainda: não pode ser por acaso, e sim por uma desmedida, ou seja, por uma acção ou escolha mal feita do herói. (…). Ou seja, é preciso que o herói trágico passe da FELICIDADE para a INFELICIDADE por alguma desmedida sua para atingir-se a catarse. Por exemplo? Édipo Rei, que começa a história como rei de Tebas e no fim se cega e se exila. Ou, uma história mais próxima de todos, Romeu e Julieta, numa releitura que Shakespeare faz da tragédia, onde os dois eram filhos de importante gente da cidade e acabam mortos pela desmedida do amor.”
Bom, desculpa a lição, no teu caso, o que (d)escreves, neste sítio, não é uma tragédia grega, nem uma passagem da felicidade para a infelicidade. Eu chamar-lhe-ia uma catarse inversa, ou seja, uma purificação da alma da desdita para a dita. Sei que há um nome específico (da filosofia de Aristotélica ou Sócratica) para este processo de purificação, em sentido inverso ao da Catarse, mas já ficou lá para trás, na Filosofia…
Em suma, se o teu menino ficar agarrado ao balão ou voltar para o buraco, vai passar pela verdadeira catarse grega e deixa de ser feliz, seja porque o balão já não lhe sorri, seja porque o buraco não deixa entrar luz! Salta! Corres o risco de cair mal no chão, mas depois levantas-te e tornas a brincar, correr, saltar, jogar… O menino pode continuar a ver a paisagem que via do balão mas agora com outra perspectiva….

Nota final- O texto que escreveste é delicioso… Cada vez me surpreendes mais, nunca pensei que escrevesses tão bem. ;)

Abraço
“Anónimo em prosa”

Anónimo disse...

Gostei da história...

Cá pra mim, eu saltava e ficava fora do buraco... o balão iria ficar por ali, podia sempre ficar a vê-lo de vez em quando, e ele haveria de perder pressão qualquer dia e poderia cair perto... :-)

Pode ser que isso aconteça.

Abraços.

Anónimo disse...

Já agora, o que é que vocês escolhiam? Saltar? voltar para o bruraco? ou disfrutar mais um pouco da vista?

Olá meu querido (já agora, sabes quanto te adoro?) acho que há alturas na vida que cabem em cada uma dessas opções... concordo com o teu Anónimo... quando diz que o melhor é saltar e por os pés bem acentes na terra... de qualquer modo todos já passamos por estas fases e todas são confortáveis se aplicáveis. Eu própria já cai num buraco fundo, já me agarrei ao primeiro balão que apareceu e neste momento estou em terra a apreciar a vista que afinal é tão clara e nos faz tão bem.
Eu acho que o importante é mesmo retirar de cada momento aquilo que podemos aprender e ser for necessário saltar para o buraco várias vezes... pois salta... e se apanhares o primeiro balão que aparecer várias vezes erradamente... pois que assim seja também... e sabes pq? Porque sabendo eu a pessoa linda e maravilhosa que és, tenho a certeza que um dia o balão certo aparecerá e encaminhar-te-á para a felicidade que mereces.

ADORO-TEEEEEE

Anónimo disse...

Oh meu caro amigo, palhaço desta vida que é um circo.
Tu salta! Esse balão pode ser falso e fugaz... E tanto te pode tirar do buraco como te largar no mais triste e profundo lugar.
Enquanto estiveres em terra, com os pés assentes no chão, terás algum controlo sobre ti próprio e sobre a tua própria vida. Podes tomar decisões, opinar, pinar (oopssss) err... agora perdi-me no raciocínio.

Bom texto.. consegues fazer a rimar?

Anónimo disse...

I - A dedicação nunca deve deixar de existir, por nós e pelos outros, sabendo que a maior empresa que se tem na vida, é a tarefa de nos fazermos felizes a nós próprios, o que muitas vezes (e ainda bem) passa pela felicidade dos que nos rodeiam.


II - Perdermos alguma "coisa" é no mínimo sinal de que alguma vez a tivemos, o que já deve ser motivo para nos sentirmos "menos mal". Pior do que a perda em si, são os "lutos" mal resolvidos.Sofre-se muito é claro, mas por vezes temos de deixar certas "coisas" partirem...Por elas e por nós.


III - "A alegria não está nas coisas, está em nós."


IV - Não devemos depositar nos outros a responsabilidade pela nossa própria felicidade."Enquanto houver esperança, há vida". E não há nada mais forte do que a vida que carregas dentro de ti.

V- "A indiferença é o mais corrosivo de todos os ácidos".(Eu não quereria deixar-me ser corroída...)


VI - Conclusão: as perspectivas são uma coisa "lixada" (ou não, :)), que nos fazem ver na mesma coisa, coisas diferentes, e em coisas diferentes a mesma coisa.E eu, do meu ângulo de visão saltava, o que não tem necessariamente, a meu ver, uma relação de causa-efeito com ficar com os pés bem assentes no chão, apesar de achar que nesse caso poderá florescer uma serenidade libertadora.

Beijinhos